Será que o vício em cigarro acontece exclusivamente por dependência química à nicotina? Ou é o cérebro quem se acostuma a responder com relaxamento e bem-estar ao ato de jogar fumaça para dentro dos pulmões?
Uma neurologista norte-americana, Charlotte Tomaino, se dedicou a investigar a segunda opção: como o cérebro pode ser “moldado”, ao longo dos anos, devido à repetição de hábitos de vida?
Como resultado de mais de 30 anos de extensas pesquisas neste campo, escreveu o livro “Awakening the brain” (expressão em inglês para “acordando o cérebro”, embora ainda não haja uma versão em português da obra), no qual explora a maneira como podemos manipular, até certo ponto, a forma como nosso cérebro funciona. É a neuroplasticidade.
Massa de modelar
A neurologista explica que o funcionamento interior de cérebro, com trilhões de conexões neurais, está em constante mudança. Obviamente, não controlamos a maior parte dessas alterações: o cérebro age “por si mesmo”.
Mas Charlotte explica que podemos impor nós mesmos um limite ao livre arbítrio do cérebro, e programá-lo para trabalhar de determinada forma em várias situações. O método para forjar o cérebro é simples: repetição das mesmas atitudes que resultem na mesma resposta corporal, ou seja, criar hábitos.
Colocando em termos práticos: por que é tão difícil seguir adiante com aquele entusiasmo inicial de fazer exercícios na academia diariamente? A neuroplasticidade explica.
Como o cérebro de um sedentário não está acostumado às alterações corporais decorrentes da atividade, ele precisa ser moldado. Durante este período, a pessoa determinada a não largar a academia precisa de força redobrada, até ser lapidada mentalmente.
Quando isso acontece, os papéis se invertem: fazer exercícios se torna um vício, tal como o cigarro, e o corpo fica incomodado justamente se não se movimentar. O cérebro, nesse ponto, já se acostumou a usufruir os benefícios da liberação de endorfina no corpo, e responde conforme esta necessidade. Desta forma, a neuroplasticidade é válida para vícios bons e ruins.
Oito ou oitenta
O cérebro é um órgão que se atualiza mais constantemente do que imaginamos. Sempre é tempo de adquirir um novo hábito (que pode exigir mais ou menos força de vontade) e incluir este procedimento na “lista de tarefas” do cérebro.
Da mesma forma que pode-se moldar, contudo, pode-se “desmoldar” conforme você o programa. Da mesma forma que se adquire um novo hábito, pode-se perder. Utilizando mais uma vez o exemplo do exercício físico: não adianta você ter sido um atleta regular até os 25 anos de idade. Se tiver caído no sedentarismo logo depois, vai sofrer como alguém que jamais se exercitou se quiser voltar à ativa depois dos cinquenta.
Nossa mente tende sempre a descartar gradativamente (até chegar ao zero) tudo aquilo que não está sendo usado, e fica apenas com o que é corrente, atual. Assim, o cérebro de um sedentário de 50 anos mal vai “lembrar” da época em que aquele corpo estava em forma. Mais um exemplo de como a neuroplasticidade atua para o bem e para o mal.
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